#184 Sobre a Experiência de Separação e Unidade

13/08/2025 9 min

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Episode Synopsis

Sobre a experiência de separação e unidadeDeus fala através de todos.Então, por que não ser gentil e ouvi-Lo?Em todos os tempos e lugares, os seres humanos buscaram a Deus. Sempre houve um anseio por penetrar os véus do Incognoscível, compreender os mistérios da criação e estar unido com a Fonte.Esse anseio é um movimento universal da alma — um impulso em direção à totalidade, ao significado e à união com o divino. É o chamado que ressoa silenciosamente.Todo ser humano que busca aplacar seu anseio pode embarcar em uma jornada de busca pelo Divino. Uma alegoria clássica dessa busca pode ser encontrada na história sufi chamada "A Conferência dos Pássaros", que foi escrita por um poeta persa do século XII conhecido por Attar. A história começa com pássaros que estavam perdidos, inseguros. Sentiam falta de algo. Tinham ouvido falar do Imortal Simurgue, o Rei dos Reis que governa a vida. Uma ave conhecedora dos mistérios divinos chamada poupa, que simboliza um guia espiritual, os juntou. Em grupo, os pássaros decidiram procurar Simurgue e perguntar sobre questões essenciais da existência. A viagem era longa e cheia de perigos. Era preciso atravessar sete vales desafiadores para chegar ao trono de Simurgue. Nem todos estavam prontos para seguir, e muitos dos que partiram voltaram atrás por motivos diversos.Alguns pararam no meio do trajeto por causa dos encantos, belezas e seduções dos vales que encontraram. Outros, pararam por temerem a incerteza. Cada pássaro ofereceu um motivo, reflexo de nossas hesitações. No final, apenas 30 pássaros chegaram ao sétimo vale, onde encontraram um palácio magnífico, mas cujo trono estava vazio...Os pássaros voaram por todas as salas do castelo procurando por Simurgue. Vasculharam os corredores e as salas, e detiveram-se diante de um espelho gigante em uma parede. Lá, olhando para o próprio reflexo, descobriram a verdade: o Simurgue era cada um deles. O divino esteve dentro deles o tempo todo.  Esta simbologia reflete a verdade mais profunda do caminho interior: o buscador e o Procurado não são separados. Os sete vales vencidos pelos pássaros ilustram as dificuldades que aqueles que seguem o caminho espiritual atravessam.O primeiro vale é o da Busca. O Viajante abandona todos os dogmas, crenças e dúvidas. O mestre sufi Sachal Sarmast diz:Seu primeiro dever [no caminho] é abandonar a fé, a descrença (…) e todas as religiões.O caminho do verdadeiro aprendizado começa com o desaprendizado, à medida que nos afastamos gradualmente do mundo. Este é o início do esvaziamento de si, é abrir espaço para receber. Estamos prontos para abrir mão daquilo em que acreditamos? Para afrouxar o apego às nossas convicções e deixar até mesmo as dúvidas para trás? O segundo é o Vale do Amor, onde a razão é deixada para trás. O amor que se torna a única bússola não é um amor romântico, mas uma chama transformadora que queima o ego. Sem confiança no objetivo final, não se pode começar. Para entrar no Amor, precisamos confiar em Deus. Este estágio é frequentemente marcado por êxtase, sofrimento e rendição.O terceiro é o Vale do Conhecimento. Todo o conhecimento mundano torna-se inútil e uma nova inteligência intuitiva é despertada. As limitações do pensamento racional são reveladas e o buscador começa a ver com os olhos do coração. Não se trata mais de acumular informações, mas de vivenciar sabedoria.O Vale do Desapego é o quarto a ser vencido. Ali todos os desejos e apegos mundanos desaparecem.Um mestre sufi descreveu isso com uma metáfora:O desapego é como uma garotinha que ama sua boneca. Ela a carrega para todos os lugares, cuida dela, até arruma uma cama e um carrinho para a boneca. Mas um dia, ela percebe que a boneca não fala. Então ela a deixa de lado e escolhe brincar com crianças de verdade.Assim acontece conosco. Superamos o que antes nos fascinava. Quando criamos espaço interior, abrimos espaço para Deus. Este vale, no entanto, pode ser uma fonte de dor. É preciso coragem para suportar o vazio interior e resistir à vontade de retornar aos falsos confortos de antes.A quinta etapa é percorrer o Vale da UnidadeAqui, o Viajante vê que tudo está interligado. Deus está além da harmonia, da multiplicidade e da eternidade. Este é um estágio de paciência, paz e entrega.Attar escreve sobre isso da seguinte forma:Quem Nele se perde, liberta-se de si mesmo —Pois se estivesse em si mesmo, não estaria Nele.A dualidade começa a se dissolver e a alma enxerga uma harmonia superior. A ilusão da separação se desvanece.O próximo é o  Vale da Perplexidade, onde o Viajante é tomado pela beleza do Amado. A maravilha substitui a compreensão. As certezas estão se transformando. A alma aprende a não navegar pela lógica, mas pela luz da devoção e da confiança.Como disse Cristo:Quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará.É o momento em que a alma percebe quão pequena ela é — e quão vasta é a verdade.O ultimo é o Vale da AniquilaçãoO Eu desaparece, dissolve-se. O tempo, o sofrimento e a separação se esvaem. O Viajante se torna um recipiente vazio através do qual Deus pode habitar. A ilusão da identidade se desfaz.Rumi escreve:Nenhum amante buscaria uniãose o Amado também não estivesse buscando.Neste estado final, não há mais distância entre o buscador e o Procurado. Deus o encontrou, e ele encontrou Deus.A luz se funde com a luz.Uma gota retorna ao oceano.Não existe mais um "eu" ou um "você".Existe UNIDADE.Aqui termina a jornada, mas não a vida. Pois na mais profunda unidade, a alma retorna ao mundo transformada — não para escapar dele, mas para irradiar aquela presença silenciosa que não tem outro nome senão amor.Foto: Davinderjit Kaur on Unsplash CC0